Resumir a cultura cigana ouvindo poucos ciganos é uma missão realmente impossível. Nos próximos minutos, vamos apresentar apenas alguns poucos aspectos dessa cultura que hoje vem perdendo espaço dentro das comunidades. A música e a dança cigana são os aspectos mais conhecidos da vasta cultura desse povo que atravessou o mundo. Os ciganos foram agregando traços dos locais por onde passaram, bem como deixaram a sua própria riqueza cultural pelos caminhos. No Brasil, a faceta mais conhecida da música cigana é aquela que veio da Espanha, onde o grupo Gipsy Kings é um dos expoentes mais conhecidos. No entanto, o violino e o acordeón são considerados instrumentos ciganos e podem ser apreciados principalmente pelas composições feitas no leste europeu. Ciganos brasileiros também apreciam muito a música sertaneja. Em uma festa cigana no nordeste do país, por exemplo, a dupla Milionário e José Rico é presença certa.
E principalmente em meio às caravanas, um canto tradicional surge nas noites onde todos se reúnem em torno da fogueira e lembram os parentes e amigos que já morreram. O jaipem é um canto melancólico que os ciganos entoam nas noites em que a saudade dos que se foram fala mais alto, como lembra o cigano Jucelho Dantas.
"Essa proximidade das barracas, normalmente à noite quando todo mundo está mais livre da sua lida, aquele fogo à lenha, todo mundo ali em torno conversando, a aí normalmente pinta aquela nostalgia, a conversa com os colegas ali, lembram de alguém, de algum parente e começa o canto, que é uma espécie de lamento, é uma coisa melancólica. E aí eles começavam a cantar, e muitos começavam até a chorar".
Jucelho é professor da Universidade Federal de Feira de Santana, na Bahia. Até os 16 anos sua família foi nômade e atravessou grande parte do Recôncavo Baiano. As lembranças dessa época não são fáceis, e ele se recorda das pessoas recolhendo os animais e chamando as crianças quando avistavam a caravana.
Mas as recordações doces também fazem parte da infância e da juventude de Jucelho e ele conta que sua mãe cantarolava o jaipem para ninar os filhos, principalmente quando sentia saudade da irmã que estava longe ou do pai que já tinha morrido. Hoje, a família de Jucelho está instalada em Camaçari, e o jaipem é uma tradição que os mais jovens já não conhecem com a mesma naturalidade de décadas atrás. É a tradição perdendo espaço para a modernidade, em especial a televisão. O jaipem foi premiado com o segundo lugar no prêmio de Culturas Ciganas do Ministério da Cultura, que ocorreu neste ano de 2008.
O prêmio recebeu 93 inscrições e premiou 20 iniciativas que valorizaram a cultura cigana. O irmão de Jucelho, Gilson Dantas também inscreveu um vídeo mostrando como acontece um casamento cigano. Na tela se vê muita fartura nas comidas e bebidas, muita animação na música sertaneja e as mulheres com belos vestidos e jóias de ouro. Gilson destaca que outro aspecto da cultura cigana está perdendo espaço para a modernidade: a língua própria dos ciganos, que no clã kalon é o kalé. Segundo Gilson, a língua tem sido cada vez menos usada pelos ciganos que estão em residências fixas em Camaçari.
"Hoje praticamente não é usado, mas antigamente quando os ciganos andavam acampando, comprando e vendendo cavalos, era a arma deles, a língua deles. Por exemplo, se ele quisesse te xingar, ou o seu pai ou sua mãe, milhões de coisas que ele quisesse dizer pra você, ele dizia e você não estava nem sabendo, mas os outros ciganos estavam sabendo. E o engraçado é que os ciganinhos novos que iam nascendo, com a convivência, ia pegando sem ninguém ensinar. Mas essa língua praticamente ninguém usa mais".
Gilson explica que seus filhos e netos sabem falar a língua, no entanto não conhecem tantas palavras e expressões, já que não se fala o kalé rotineiramente entre as famílias. Para ele, escrever a língua cigana é uma traição ao povo, mas essa opinião não é unanimidade entre os ciganos. A jornalista Paula Soria, por exemplo, defende a realização de registros nas línguas ciganas, e mais do que isso, ela acredita que a literatura cigana pode atuar de forma a mostrar a realidade do povo cigano de forma mais verdadeira.
"A literatura tem essa capacidade, esse potencial subversivo de poder falar de coisas que muitas vezes eu aqui em uma entrevista não posso mostrar, ser tão crua, tão direta, denunciar onde estão os problemas tanto dentro como fora. A literatura fala, expõe e mostra realmente a problemática sem censura e isso chega realmente ao outro. Onde está o sofrimento étnico, como são as situações vivenciadas, como é viver sempre vítima, não gosto dessa apalavra, mas viver sempre vítima do estigma. Como é viver, sou cigano e saber que o não cigano vai pensar: cuidado, mente muito, só lê mão, só dança, ou seja, como é viver com isso?".
Paula fez uma tese de mestrado sobre os estereótipos do povo cigano na literatura dos não ciganos. No trabalho, ela também analisou os livros do escritor Jorge Nedich, cigano argentino que é professor universitário e já publicou diversos livros de ficção sobre a realidade do povo cigano.
Outra tradição cigana que está sendo afetada pela modernidade é a da vestimenta. A maior parte das pessoas imagina as mulheres ciganas em belos e coloridos vestidos. Mas a cigana Edinha Cerqueira, que vive em Porto Seguro, conta que hoje as meninas ciganas usam cada vez mais saias e blusas comuns. Quando ela soube do Prêmio de Culturas Ciganas, comprou vários cortes de tecido para costurar o que as vestes ciganas apresentam de mais rico.
"A cultura da vestimenta está acabando, as roupinhas que as meninas estão usando são sainha e blusinha. Aí resolvi mandar isso aí, que é uma coisa que todo mundo ficou feliz. Comprei as roupas para as meninas do meu acampamento, eu mesma corto e costuro".
E principalmente em meio às caravanas, um canto tradicional surge nas noites onde todos se reúnem em torno da fogueira e lembram os parentes e amigos que já morreram. O jaipem é um canto melancólico que os ciganos entoam nas noites em que a saudade dos que se foram fala mais alto, como lembra o cigano Jucelho Dantas.
"Essa proximidade das barracas, normalmente à noite quando todo mundo está mais livre da sua lida, aquele fogo à lenha, todo mundo ali em torno conversando, a aí normalmente pinta aquela nostalgia, a conversa com os colegas ali, lembram de alguém, de algum parente e começa o canto, que é uma espécie de lamento, é uma coisa melancólica. E aí eles começavam a cantar, e muitos começavam até a chorar".
Jucelho é professor da Universidade Federal de Feira de Santana, na Bahia. Até os 16 anos sua família foi nômade e atravessou grande parte do Recôncavo Baiano. As lembranças dessa época não são fáceis, e ele se recorda das pessoas recolhendo os animais e chamando as crianças quando avistavam a caravana.
Mas as recordações doces também fazem parte da infância e da juventude de Jucelho e ele conta que sua mãe cantarolava o jaipem para ninar os filhos, principalmente quando sentia saudade da irmã que estava longe ou do pai que já tinha morrido. Hoje, a família de Jucelho está instalada em Camaçari, e o jaipem é uma tradição que os mais jovens já não conhecem com a mesma naturalidade de décadas atrás. É a tradição perdendo espaço para a modernidade, em especial a televisão. O jaipem foi premiado com o segundo lugar no prêmio de Culturas Ciganas do Ministério da Cultura, que ocorreu neste ano de 2008.
Fátima Amaya |
O prêmio recebeu 93 inscrições e premiou 20 iniciativas que valorizaram a cultura cigana. O irmão de Jucelho, Gilson Dantas também inscreveu um vídeo mostrando como acontece um casamento cigano. Na tela se vê muita fartura nas comidas e bebidas, muita animação na música sertaneja e as mulheres com belos vestidos e jóias de ouro. Gilson destaca que outro aspecto da cultura cigana está perdendo espaço para a modernidade: a língua própria dos ciganos, que no clã kalon é o kalé. Segundo Gilson, a língua tem sido cada vez menos usada pelos ciganos que estão em residências fixas em Camaçari.
"Hoje praticamente não é usado, mas antigamente quando os ciganos andavam acampando, comprando e vendendo cavalos, era a arma deles, a língua deles. Por exemplo, se ele quisesse te xingar, ou o seu pai ou sua mãe, milhões de coisas que ele quisesse dizer pra você, ele dizia e você não estava nem sabendo, mas os outros ciganos estavam sabendo. E o engraçado é que os ciganinhos novos que iam nascendo, com a convivência, ia pegando sem ninguém ensinar. Mas essa língua praticamente ninguém usa mais".
Gilson explica que seus filhos e netos sabem falar a língua, no entanto não conhecem tantas palavras e expressões, já que não se fala o kalé rotineiramente entre as famílias. Para ele, escrever a língua cigana é uma traição ao povo, mas essa opinião não é unanimidade entre os ciganos. A jornalista Paula Soria, por exemplo, defende a realização de registros nas línguas ciganas, e mais do que isso, ela acredita que a literatura cigana pode atuar de forma a mostrar a realidade do povo cigano de forma mais verdadeira.
Gypsy Alexandra e Carmen |
"A literatura tem essa capacidade, esse potencial subversivo de poder falar de coisas que muitas vezes eu aqui em uma entrevista não posso mostrar, ser tão crua, tão direta, denunciar onde estão os problemas tanto dentro como fora. A literatura fala, expõe e mostra realmente a problemática sem censura e isso chega realmente ao outro. Onde está o sofrimento étnico, como são as situações vivenciadas, como é viver sempre vítima, não gosto dessa apalavra, mas viver sempre vítima do estigma. Como é viver, sou cigano e saber que o não cigano vai pensar: cuidado, mente muito, só lê mão, só dança, ou seja, como é viver com isso?".
Paula fez uma tese de mestrado sobre os estereótipos do povo cigano na literatura dos não ciganos. No trabalho, ela também analisou os livros do escritor Jorge Nedich, cigano argentino que é professor universitário e já publicou diversos livros de ficção sobre a realidade do povo cigano.
Outra tradição cigana que está sendo afetada pela modernidade é a da vestimenta. A maior parte das pessoas imagina as mulheres ciganas em belos e coloridos vestidos. Mas a cigana Edinha Cerqueira, que vive em Porto Seguro, conta que hoje as meninas ciganas usam cada vez mais saias e blusas comuns. Quando ela soube do Prêmio de Culturas Ciganas, comprou vários cortes de tecido para costurar o que as vestes ciganas apresentam de mais rico.
"A cultura da vestimenta está acabando, as roupinhas que as meninas estão usando são sainha e blusinha. Aí resolvi mandar isso aí, que é uma coisa que todo mundo ficou feliz. Comprei as roupas para as meninas do meu acampamento, eu mesma corto e costuro".
O trabalho de Edinha conquistou terceiro lugar no Prêmio de Culturas Ciganas.
Os tecidos são variados e os estilos de vestidos também. Os babados, rendas estão muito presentes, e para os vestidos de festa, tecidos nobres como a organza e o cetim. Edinha se casou aos 14 anos, e tem 3 filhos. Para os vestidos do cotidiano, ela fala que usa apenas duas cores, pois roupas mais chamativas atraem os olhares dos não ciganos. Ela menciona até que os ciganos vestidos em suas roupas atraem a atenção onde quer que estejam, algo até compreensível considerando que são vestes realmente bonitas. A única cor que não é usada é o preto, cor que apenas as viúvas trajam.
Mirian Stanescon é advogada, liderança cigana conhecida nacionalmente e representa o povo cigano no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. No que diz respeito à vestimenta cigana, ela concorda que as tradições estão se perdendo em função do preconceito que as roupas despertam fora da comunidade. Ainda assim, ela se coloca como defensora ferrenha da tradição.
"Inclusive eu estive em um casamento cigano agora, que a maioria das moças que vieram de São Paulo não vieram com roupa romanês. Eu fiz questão, eu e minhas filhas estávamos lá com roupa de cigana. E eu senti que elas se envergonharam, e é pra se envergonhar mesmo. Vou dar um recado no seu programa. Acho que a mulher cigana tem que ter orgulho da nossa roupa. O que está acontecendo, as não ciganas estão se fantasiando de ciganas e as ciganas, com medo do preconceito, estão botando roupa de gajé, e estão se perdendo as tradições".
A cultura cigana é muito vasta e mostra os valores de um povo que a maior parte das pessoas realmente não conhece.
Os tecidos são variados e os estilos de vestidos também. Os babados, rendas estão muito presentes, e para os vestidos de festa, tecidos nobres como a organza e o cetim. Edinha se casou aos 14 anos, e tem 3 filhos. Para os vestidos do cotidiano, ela fala que usa apenas duas cores, pois roupas mais chamativas atraem os olhares dos não ciganos. Ela menciona até que os ciganos vestidos em suas roupas atraem a atenção onde quer que estejam, algo até compreensível considerando que são vestes realmente bonitas. A única cor que não é usada é o preto, cor que apenas as viúvas trajam.
Mirian Stanescon é advogada, liderança cigana conhecida nacionalmente e representa o povo cigano no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. No que diz respeito à vestimenta cigana, ela concorda que as tradições estão se perdendo em função do preconceito que as roupas despertam fora da comunidade. Ainda assim, ela se coloca como defensora ferrenha da tradição.
"Inclusive eu estive em um casamento cigano agora, que a maioria das moças que vieram de São Paulo não vieram com roupa romanês. Eu fiz questão, eu e minhas filhas estávamos lá com roupa de cigana. E eu senti que elas se envergonharam, e é pra se envergonhar mesmo. Vou dar um recado no seu programa. Acho que a mulher cigana tem que ter orgulho da nossa roupa. O que está acontecendo, as não ciganas estão se fantasiando de ciganas e as ciganas, com medo do preconceito, estão botando roupa de gajé, e estão se perdendo as tradições".
A cultura cigana é muito vasta e mostra os valores de um povo que a maior parte das pessoas realmente não conhece.
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